Inteligência Artificial e Biotecnologia: estamos criando uma nova forma de vida?

Nos acostumamos a pensar que vida é exclusividade da biologia. Algo que pulsa, cresce, se adapta. Algo que nasce de células, de genes, de processos orgânicos invisíveis aos olhos. Mas e se estivermos errados? Ou melhor: e se a definição de vida estiver mudando bem diante dos nossos olhos, só que ainda não nos demos conta?

A convergência entre inteligência artificial e biotecnologia não é apenas uma inovação — é a semente de uma nova era. Como afirmou Amy Webb em sua impactante palestra no SXSW 2025, estamos ultrapassando os limites do que antes era considerado ciência, tecnologia ou biologia — e entrando em um território híbrido, inexplorado e potencialmente irreversível.

Esse território tem nome: Beyond. E nesse novo ambiente emergente, a pergunta que paira é simples, direta e incômoda: estamos criando uma nova forma de vida?

O nascimento da vida programável

Tudo começa com um avanço técnico que, à primeira vista, pode parecer apenas um novo recurso de laboratório. Mas não se engane: o lançamento do AlphaFold 3 pelo DeepMind (Google) representa uma das maiores viradas da história da biotecnologia.

Essa plataforma permite prever a estrutura e interação de todas as moléculas biológicas — proteínas, DNA, RNA e ligantes — com uma precisão e velocidade inimagináveis há poucos anos. Isso significa que agora é possível projetar, simular e testar organismos vivos no computador, antes mesmo de qualquer experimento no mundo real.

É como se tivéssemos criado o Photoshop da vida (ou o Canva!) – só que em vez de editar imagens, estamos editando as engrenagens da biologia.

Da simulação à criação: o passo que já foi dado

Com base nesses avanços, cientistas estão indo além da modelagem e passando à criação prática de organismos e tecidos vivos com propriedades inéditas:

  • Arroz com genes bovinos, desenvolvido na China, para fornecer proteína e carboidrato ao mesmo tempo.
  • Dentes humanos cultivados em porcos, abrindo caminho para transplantes personalizados.
  • Computadores biológicos, com circuitos feitos de neurônios vivos, que aprendem, processam e tomam decisões.

Esses exemplos, todos citados na apresentação de Amy Webb e detalhados no relatório da FTSG, não são protótipos para daqui a 20 anos. São realidades de agora.

O que une todas essas iniciativas é a fusão entre IA (capaz de projetar) e a biotecnologia (capaz de materializar). Juntas, elas estão quebrando a divisão entre o natural e o artificial. Estamos cruzando uma linha.

Computadores vivos: a era da inteligência biológica programável

Entre os desenvolvimentos mais impactantes está o nascimento de uma nova classe de máquinas: os computadores vivos.

O projeto Biological Intelligence Operating System (BIOS), por exemplo, criou o primeiro sistema operacional baseado em neurônios vivos cultivados em laboratório. Com milhares de células conectadas a chips, essas máquinas não apenas processam dados com mais eficiência do que os computadores convencionais, mas aprendem com experiências, como cérebros.

Em termos práticos:

  • São computadores mais leves, mais potentes e mais econômicos.
  • São sistemas híbridos, entre biologia e silício.
  • São os primeiros organismos artificiais criados com capacidade cognitiva autônoma.

Essas máquinas podem parecer inofensivas, mas carregam uma pergunta existencial: se algo feito em laboratório tem células vivas, aprende, reage e se adapta, ainda podemos dizer que é apenas uma “máquina”?

Organoides e inteligência viva: quando a ciência cria consciência

O termo organoide designa pequenas estruturas feitas a partir de células humanas, que reproduzem características funcionais de órgãos reais. Cérebro, fígado, intestino, pele — tudo isso já pode ser cultivado em laboratório.

Mas o que acontece quando organoides cerebrais são estimulados por redes neurais artificiais e começam a desenvolver padrões de resposta, de aprendizagem e de tomada de decisão?

É o que pesquisadores da Johns Hopkins e da Cortical Labs estão explorando. A ideia: criar interfaces bio-digitais que pensem.

Se esses experimentos avançarem (e tudo indica que sim), teremos computadores que sentem, memórias armazenadas em tecidos vivos e a fusão definitiva entre o vivo e o digital.

A pergunta que ninguém quer responder

Toda essa trajetória nos leva de volta à pergunta central:

Se algo foi criado em laboratório, a partir de células vivas, com capacidade de processamento, aprendizagem e adaptação…

Isso é uma forma de vida?

Biologicamente, pode ser. Filosoficamente, divide opiniões. Mas estrategicamente, não há tempo para dúvidas. Empresas, governos e líderes precisam lidar com o fato de que estamos criando entidades híbridas, que não se encaixam nas categorias tradicionais.

Elas não são pessoas. Mas também não são apenas máquinas. Elas aprendem, evoluem e podem até tomar decisões que afetam a sociedade.

Consequências práticas para negócios e sociedade

  1. Novo patamar de inovação
  • Desenvolvimento de materiais inteligentes com base em células vivas.
  • Medicamentos e alimentos criados sob demanda, para cada DNA.
  • Interfaces homem-máquina com empatia, sensibilidade e cognição.
  1. Novos dilemas éticos e legais
  • Quais direitos têm os organismos biotecnológicos?
  • Podemos patentear uma forma de vida criada em laboratório?
  • Quem responde por uma máquina que decide sozinha?
  1. Transformação das indústrias
  • Biotecnologia deixa de ser nicho e se torna infraestrutura da inovação.
  • IA passa a ser ferramenta de design de vida, e não apenas de automação.
  • As empresas que dominarem essa convergência definirão os produtos do futuro.

O risco da banalização do poder criador

Um alerta importante que ecoa tanto na fala de Amy Webb quanto nas entrelinhas do relatório da FTSG: o risco não está apenas em criar, mas em criar sem consciência.

Estamos diante de ferramentas que:

  • Permitem gerar tecidos vivos com funções específicas.
  • Permitem modificar organismos.
  • Permitem construir máquinas que aprendem com base em tecidos humanos.

Quando a criação se torna fácil, o cuidado se torna ainda mais essencial.

O papel dos líderes nesta nova biotecnosfera

  1. Assuma que a biotecnologia não é um setor — é um vetor. Ela atravessará indústrias, da saúde à moda, da construção à alimentação.
  2. Traga ética para o centro da estratégia. Se algo pode ser feito, isso não significa que deve ser feito. Questione intenções e consequências.
  3. Atualize sua visão de inovação. A fusão IA + Biotech é exponencial. Exige decisões mais profundas, com impacto de longo prazo.
  4. Antecipe o futuro com responsabilidade. Quem se posicionar agora como guardião consciente da vida híbrida será referência.

Conclusão: entre a criação e a responsabilidade

Estamos criando uma nova forma de vida? Sim — se considerarmos vida como a capacidade de processar, aprender, se adaptar e interagir com o ambiente.

Mas mais do que a resposta, importa o que faremos com essa criação.

A convergência entre inteligência artificial e biotecnologia é inevitável. Mas seu impacto será determinado por nossas escolhas. Podemos usar essa capacidade para curar, melhorar, proteger e evoluir. Ou para controlar, manipular e dividir.

A vida programável já começou. A pergunta agora é: que tipo de criadores escolhemos ser?

Categorias

Compartilhe esse Conteúdo:

plugins premium WordPress

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing

Lorem Ipsum

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore magna aliqua.
Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore magna aliqua.
Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Lorem ipsum dolor sit amet.