Por trás de toda tecnologia de ponta, há um custo invisível. Para cada comando enviado a um modelo de linguagem, cada simulação feita por uma IA de previsão, cada cálculo executado por um sistema de múltiplos agentes, há uma demanda crescente de uma força silenciosa: energia.
Mas não só energia. Para alimentar a próxima era da inteligência artificial — e tudo o que ela representa — também será preciso controlar outro fator-chave: o clima. E o mais surpreendente? A própria IA começa a ser usada para fazer isso.
Neste artigo, o sexto da série baseada na palestra de Amy Webb no SXSW 2025 e no relatório oficial da Future Today Strategy Group (FTSG), vamos analisar o papel da energia e da modulação climática nesse novo mundo — e levantar a pergunta que ninguém quer responder: quem terá o poder de controlar o planeta?
A nova fome da inteligência artificial: energia e mais energia
Se a IA é o cérebro da nova infraestrutura mundial, então a energia é o seu oxigênio. E não estamos falando de pouca coisa:
- Treinar modelos como o GPT-4 consome mais energia do que uma cidade inteira em um dia.
- O uso crescente de IA em tempo real (carros autônomos, cidades inteligentes, indústria 4.0) exige processamento contínuo.
- A própria Living Intelligence — conceito central do relatório da FTSG — funciona com milhares de agentes conectados, sensores ativados 24h por dia e sistemas adaptativos espalhados pelo ambiente.
A conta é simples: quanto mais autonomia damos às máquinas, mais energia elas vão exigir. E isso coloca uma pressão imensa sobre as atuais matrizes energéticas.
Microreatores, fusão e novas fontes descentralizadas
Amy Webb trouxe uma visão clara: as fontes de energia atuais não serão suficientes para sustentar a revolução que estamos vivendo. Por isso, já há movimentos (muitos secretos) de governos e empresas em busca de novas soluções. As principais são:
1. Microreatores nucleares
- Pequenos reatores portáteis, modulares e seguros.
- Produzem energia de forma constante, sem depender do clima.
- Estão sendo desenvolvidos por startups e agências militares.
- Podem alimentar cidades, indústrias e até datacenters.
2. Fusão nuclear
- A grande promessa energética da humanidade.
- Gera energia a partir da fusão de átomos, sem lixo nuclear.
- Grandes avanços foram anunciados nos últimos dois anos.
- Ainda enfrenta desafios técnicos, mas pode se tornar viável na próxima década.
3. Redes descentralizadas com IA
- Redes locais de energia que se ajustam com base na demanda em tempo real.
- Utilizam IA para gerenciar produção, armazenamento e distribuição.
- Usam fontes renováveis, mas com lógica adaptativa.
Essas três frentes mostram que a energia será cada vez mais estratégica, distribuída e invisível aos olhos do cidadão comum. Mas será o motor invisível de toda a sociedade automatizada que está se formando.
Clima sob controle: o avanço da geoengenharia guiada por IA
E se pudéssemos controlar a chuva? Impedir furacões? Reduzir o calor de uma cidade inteira? Esse é o papel da geoengenharia climática, e sim — ela já está em curso.
Amy Webb trouxe cenários reais onde a IA já é usada para monitorar, prever e agir sobre o clima em escala local e regional. As principais técnicas incluem:
1. Modificação de nuvens (cloud seeding)
- Dispersão de partículas para induzir chuvas.
- Já utilizada em países como China e Emirados Árabes.
- Agora guiada por algoritmos que definem onde e quando agir.
2. Reflexão solar (solar geoengineering)
- Técnicas que aumentam a refletividade da atmosfera para reduzir o aquecimento.
- Incluem o uso de partículas de enxofre, espelhos espaciais e superfícies claras nas cidades.
- Ainda controverso, mas em estudo por universidades e startups climáticas.
3. Modulação de correntes oceânicas
- Usando sensores, satélites e IA para redirecionar correntes quentes e frias.
- Visa mitigar efeitos de El Niño, furacões e aquecimento regional.
A diferença em relação ao passado é que agora a IA faz o trabalho pesado: coleta os dados, roda simulações, calcula impactos, ajusta as ações em tempo real.
Quem controla o clima, controla o jogo
Se a IA puder realmente controlar o clima, ou pelo menos influenciá-lo, isso levanta uma questão brutal:
Quem vai decidir onde choverá — e onde haverá seca? Quem poderá impedir um furacão — ou deixá-lo seguir? Quem define os parâmetros de estabilidade do planeta?
Governos? Corporações? Alianças privadas? Redes descentralizadas?
Amy Webb levantou essa bandeira com clareza: o poder sobre o clima pode se tornar a maior arma geopolítica do século XXI.
E diferente de guerras tradicionais, onde há tropas, tanques e explosões, essa será uma guerra invisível. Feita por servidores, drones, sensores e linhas de código.
Riscos da manipulação climática em larga escala
A modulação climática guiada por IA traz riscos profundos:
- Desequilíbrios não intencionais: uma ação em um ponto pode gerar caos em outro.
- Uso político ou militar do clima: criar secas, redirecionar furacões, manipular colheitas.
- Falta de transparência e fiscalização: decisões sendo tomadas por algoritmos sem escrutínio público.
- Perda da resiliência natural do planeta: ao interferir demais, corremos o risco de torná-lo dependente de ajustes constantes.
A ética climática se torna, portanto, uma urgência estratégica.
E a sociedade? Vai perceber ou apenas sentir?
Grande parte dessas transformações será invisível para o cidadão comum:
- As cidades ficarão mais frescas, mas ninguém verá os algoritmos ajustando o albedo urbano.
- A chuva virá quando mais necessária, mas ninguém saberá que foi “agendada”.
- A energia chegará estável, limpa e contínua, mas poucos saberão que vem de um microreator nuclear instalado no subsolo da cidade.
A tecnologia será invisível. Mas o poder que ela concentra será real — e crescente.
O papel dos líderes e empresários nesse cenário
Se você lidera uma organização, aqui estão os pontos de atenção imediatos:
- Compreenda o impacto da nova matriz energética sobre o seu setor. Energia barata e limpa pode redefinir modelos de negócio.
- Acompanhe o avanço da geoengenharia. Não é apenas um tema ambiental, é um tema econômico e geopolítico.
- Inclua ética climática na pauta estratégica. Sua empresa será cobrada não apenas pelo que faz, mas pelo que ignora.
- Considere oportunidades em energia distribuída, captura de carbono, otimização térmica, refrigeração inteligente e agricultura climática.
- Esteja atento aos dados. IA precisa de dados climáticos de qualidade para tomar boas decisões — e muitas empresas poderão ser fontes ou beneficiárias dessas redes.
Conclusão: IA, energia e clima — o tripé do novo poder global
Estamos entrando em uma era em que quem controla os algoritmos climáticos, controla o ritmo da economia, a estabilidade das cidades e a segurança alimentar do planeta.
A IA será, ao mesmo tempo, o sensor, o cérebro e o executor de um mundo energético e climático em tempo real.
O futuro não será mais moldado apenas por tratados diplomáticos ou políticas públicas. Será definido por decisões algorítmicas tomadas em centros de dados e simuladores atmosféricos.
E por trás de tudo isso, a pergunta central permanece:
Vamos permitir que a IA controle o planeta sem que percebamos? Ou vamos criar os limites éticos e estratégicos que garantirão que ela trabalhe a nosso favor — e não no nosso lugar?